A banda mais bonita da cidade

Adoro esta banda!

Médicos...

Médica nº 1 na terça-feira:
- Não perder líquido são ótimas notícias mas tem noção de que o seu caso é claramente um internamento de longa duração? Se tudo correr bem aguenta até às 34 semanas, nessa altura induzimos-lhe o parto e só depois é que tem alta. Não vai ter alta antes disso.
 
Médico nº 2 (chefe da equipa) na quarta-feira:
- Se não perde líquido vai-se levantar, se se levantar e continuar sem perder líquido, se correr tudo bem com a eco de sexta mandamo-la para casa.

 Médico nº 3 na quinta-feira às 10h da manhã:
- O seu caso sai fora dos parâmetros normais. É muito raro quando há rutura de membranas que a mesma feche como aparentemente lhe aconteceu. Estamos em estudo ok? Sem previsões.
 
Médico nº 2 (chefe da equipa) na quinta-feira às 11h da manhã:
- Continua tudo bem não é? Sem perder líquido, certo? Muito bem, mantemos o plano, se estiver tudo ok com a eco vai para casa, não fica aqui a fazer nada! Não vamos ficar à espera que rutura abra, se isso acontecer volta, mas não fica aqui à espera a fazer nada.

Resumindo:

Terça-feira – Desespero, sem qualquer possibilidade de ainda conseguir ir para casa antes do Francisco nascer. Há 4 dias sem perder líquido e afinal isso não quer dizer nada de mais…

Quarta-feira – O quê?! Ir para casa? Mas afinal existe essa hipótese?! Vou-me levantar?! Wooow

Quinta-feira às 10h – Pois, ontem pareceu-me bom demais, o melhor é não ter expectativas muito altas…

Quinta-feira às 11h – Andam a gozar com a minha cara certamente… se são uma equipa dialoguem, discutam ideias, mas quando falarem com os pacientes façam-no de forma coerente! Somos pessoas, precisamos de gerir expectativas, sentimentos, vidas…

Vida nova?

Acabaram de me separar da minha melhor amiga aqui do hospital. Fomos inseparáveis durante duas semanas. Estabelecemos uma daquelas relações de amor/ódio difíceis de explicar. Detestava olhar para ela, mas se ma tiravam sentia-me perdida e desamparada. Às vezes ela encostava-se a mim e despoletava em mim um sentimento de impotência, de querer e não conseguir. Chegava a repugnar-me com o seu cheiro por vezes nauseabundo. Mas era quem me valia em momentos de aflição… Enfim, espero que a separação me abra uma nova porta de oportunidades neste hospital.

Adeus arrastadeira, sanita sê bem-vinda de volta à minha vida!

Ânsias de liberdade

Será possível que esta noite sonhei que andava a brincar às escondidas?!

As enfermeiras avisaram todas as grávidas que tínhamos que fazer exercício e que hoje íamos jogar às escondidas. Lembro-me de pensar: “Está tudo doido! Devem estar a gozar connosco!”. Entretanto olho à volta e estava uma enfermeira de olhos tapados a contar e as grávidas a correr de um lado para o outro, com as suas camisas de noite, e a tentarem encontrar o melhor esconderijo possível. Era surreal, fiquei parada e a dada altura alguém me disse: “Esconde-te! Depressa!”. Esconder-me?! Onde? Até que reparei que entre a minha cama e a janela havia um espaço. Agachei-me e ali fiquei, pensado “Com esta barriga esta posição já não dá jeito nenhum!”

De repente ouço: “Ana” Abri os olhos, vi uma luz branca acesa em cima de mim e a cara sorridente da enfermeira Olga logo pelas 7 da manhã. Com uma mão tapei os olhos e estendi o outro braço. Quarta-feira é dia de análises.

Hierarquias

A existência de hierarquias definidas é essencial para o bom funcionamento de qualquer organização. Nestes sistemas sociais de ação coletiva que são as organizações existe um fator importante e que determina em larga escala o funcionamento efetivo da mesma, a comunicação. Existem depois estruturas formais e informais que uma vez instituídas definem o dia-a-dia e o funcionamento destes sistemas assim como as relações de poder. Obviamente esta é uma análise muito redutora, mas que chega perfeitamente, para neste momento definir o caso a que me refiro.


As relações entre médicos, enfermeiros e auxiliares num hospital vivem, como quase tudo na vida, destes pequenos jogos de poder. Ah! Vale a pena acrescentar nesta equação os pacientes, neste caso os de internamento, que estabelecem relações entre si, na horizontal, mas que interferem também na vertical e nas relações adjacentes à hierarquia instituída.

A seu tempo explorarei melhor este assunto. Merece muitos e muitos posts!

Contradições

Quero ficar, quero muito ficar! Quero ser capaz de fazer deste o meu mundo durante as próximas 9 semanas. Quero poder sair daqui com o meu filho ao colo, não quero ir para casa e deixá-lo numa incubadora, ligado na fios e a lutar sozinho pela vida. Quero poder amamenta-lo assim que nasça e trazer os manos para o conhecer. Vestir-lhe a sua primeira roupa, dar-lhe o primeiro banho e quero poder embalá-lo e pegar-lhe a qualquer momento.


Mas quero tanto sair daqui… quero tanto pegar no Manuel e na MR ao colo. Quero ler-lhes um livro e pô-los na cama, quero brincar com eles e acompanhar todos os seus momentos. Quero ouvir de viva voz todas as palavras novas que o Manuel está a aprender, quero ensiná-lo a usar o bacio e a deixar as fraldas. Quero dar resposta às perguntas difíceis da MR e fazer desenhos com ela. Dar-lhe o almoço, o jantar, dar-lhes banho. Quero estar presente! Não quero assistir ao longe a quase 3 meses das suas vidas.

Mas eles estão bem, estão com as pessoas que para a além de mim e do pai mais lhes querem bem, e enquanto eu aqui estiver o Francisco aumenta também as suas possibilidades de estar bem. Esta é das gestões de sentimentos mais difíceis de fazer. É como ter que escolher um filho em detrimento dos outros dois.  
(In)felizmente a vida é feita de opções e por vezes os caminhos são sinuosos e mais difíceis do que o que esperávamos. Mas a verdade é que esta é A OPÇÃO possível neste momento e só seguindo este caminho é que chegaremos os 5 juntos ao nosso destino. Hum… e aquilo que sei acerca do destino dá-me tanta força para continuar! ‘Bora lá! J

Pequenas derrotas vs pequenas vitórias

A vida num hospital é feita de pequenas vitórias e pequenas derrotas.
 
Pequenas vitórias que nos fazem subir ao céu e pequenas derrotas que nos deitam abaixo, e que nos fazem sentir completamente esmagados…
 
As pequenas vitórias podem ser algo tão simples como a retirada de um cateter, as pequenas derrotas podem ser o apagar de uma luz que nos parecia quase visível no fundo do túnel, uma luz que não tínhamos se quer a certeza de ver mas que nos parecia poder existir, que nos parecia brilhar e que afinal não estava lá. Era apenas uma miragem, como um oásis que alguém pensa ver no meio do deserto e que afinal nunca existiu.

E assim, quando nos deparamos com as pequenas derrotas e truque é agarrarmo-nos com unhas e dentes às pequenas vitórias e fazer delas o nosso mundo e não largar nunca essa corda que nos prende ao otimismo e o sentimento de que no fim tudo vai acabar por correr bem. Porque é que não correria?!

A minha janela

Da minha janela vejo duas paredes, vejo aquilo que me parece ser um pátio interior. Para cima vejo três andares. Estou  no 4º portanto suponho que o hospital tenha sete andares, suponho…

Se me chegar para a beira da cama consigo ver uma nesga de céu azul, não muito, o suficiente para perceber que lá fora aparentemente não há nuvens e o sol brilha como se espera de um dia de verão.
Ouço o barulho contínuo dos aparelhos de ar condicionado existentes nos outros pisos. É irónico que este barulho de fundo seja algo permanente no meu dia e na minha noite quando neste quarto nem existe ar condicionado. O único do piso está situado, tanto quanto percebi, na zona central desta ala. Nem sempre está ligado e quando está dificilmente nos presenteia com o seu ar fresco.
Já tentei imaginar que o ruído de fundo seria o barulho das ondas, o vento a bater no mar. Funciona e durante 10 segundos quase que me sinto a ser transportada para minha praia, mas depressa o meu cérebro se apercebe de que este som é demasiado monocórdico, demasiado igual, demasiado estável para ser o mar. Mas todos os dias volto a investir neste pensamento e todos os volto a tentar enganar-me.

Por vezes ouvimos barulhos de obras que aparentemente decorrem de forma interminável neste hospital, que parece ele também ser interminável. Ninguém sabe onde decorrem nem que me melhorias visam. Apenas se sabe que o barulho vai e vem, que as máquinas param e recomeçam de seguida, que se ouvem pás a roçar em cimento, paredes que caem.
Percebi que na minha janela existirá uma varanda, por vezes vejo vultos que passam em passo apressado e consigo sentir o cheiro a tabaco, “são as do laboratório”, alguém me disse.
Nas outras janelas não vejo gente, vejo sombras que se movimentam ao longe, que sobem escadas, que abrem portas. Sombras a quem esta janela não levanta certamente nenhuma curiosidade, esta é apenas uma entre tantas janelas que sempre cá estiveram e sempre estarão.
Mas a verdade é que esta é a “minha janela”, uma janela para um quarto repleto de inúmeras histórias, vivências e sentimentos tantas vezes contraditórios.




E assim foi...

Quando a médica lhe perguntou:
- “De certeza que quer investir nesta gravidez? Sabe que com 23 semanas os riscos” ela nem a deixou terminar frase.
Franziu a sobrancelha e respondeu-lhe com uma força e uma certeza que lhe vieram das profundezas do seu ser:
- Claro, claro que sim. Até ao fim.
Que dúvidas haveria? Estariam a falar do mesmo?! Enquanto a médica lhe falava “da gravidez” ela pensava “no seu filho, no Francisco”, que só deveria nascer daí a 3 meses e não naquela altura. Repito, que dúvidas haveria?
- Sabe, tinha que lhe fazer esta pergunta, eu calculei que sim mas é o protocolo. – justificou a médica
Foi nesse momento que entre lágrimas mas sem dúvidas ela fechou as pernas com força, numa tentativa infrutífera de parar o líquido que lhe continuava a escorrer, e lhe disse:

- “Doutora o meu bebé não vai nascer já, não vai nascer agora, eu sei que não vai”.