O meu Avô

Aqueles que conheciam bem o meu Avô sabem que ele adoraria ter estado entre nós num dia como o de hoje. Teria conversado com todos os seus amigos, muitos deles “moço da sua idade”, como ele nos dizia sempre, outros amigos dos meus pais, meus e do meu irmão. O meu Avô adorava estar com pessoas, conversar e contar-nos as histórias divertidas que passou com cada um dos seus amigos. Estou certa de que o meu Avô já não habita este corpo que está aqui à minha à frente. O meu Avô passou as últimas 24 horas a fazer tudo aquilo que ele mais gosta e são tantas coisas, não sei se já teve tempo para tudo. O que sei foi que ele voltou a ter mãos para trabalhar e umas pernas que já lhe respondem quando ele pede e isso é para ele muito importante. O meu Avô agora já pode sair à vontade e de certeza que se sente tão livre…


Por esta altura o meu Avô já deve ter ido à pesca e de certeza que apanhou um daqueles grandes linguados que ele antigamente trazia para casa; já deve ter lido os jornais do dia e conversado um pouco sobre o seu Benfica. Sei que esta noite ele irá certamente ligar a televisão, ou melhor ainda, para recordar os velhos tempos, vai ao cinema, ver um filme de cowboys, daqueles que ele conhece tão bem os actores e nos contou várias vezes o enredo. O meu Avô já deve ter tido tempo para ler os seus livros e ir arranjar o quintal, trabalhar na sua horta… Arranjar esquentadores e montar e desmontar fios eléctricos. Sabem que o meu Avô conseguia ensinar periquitos a falar? Eu própria cheguei a conhecer um que assobiava tal e qual como o meu Avô, dizia “Benfica” e “Maria” – o nome pelo qual ele tratava a minha mãe.


O meu Avô devia ter escrito um livro com todas as histórias que ele tinha para contar… sempre me ri muito ao imaginá-lo um miúdo de calções a pregar partidas à mãe. Acreditam que ele apanhava lacraus, tirava-lhes o veneno com um dente de alho e os metia na cabeça, escondidos por um chapéu? Depois soltava-os perto da mãe e das amigas da mãe. Diz que aí é que era vê-las fugir e saltarem para cima das cadeiras. Ai… como ele se divertia a recordar estas histórias…


É assim que eu quero que o recordemos, porque era esta a pessoa que o meu Avô era. O meu Avô nunca teve grande facilidade em demonstrar sentimentos, mas está neste momento, de certeza com um olhar muito atento a espreitar-nos, à sua família e aos seus netos e bisnetos, de quem tanto gostava. 


Termino como comecei: o meu Avô gostaria muito de ter estado entre nós num dia como o de hoje, em que os seus amigos e família se juntaram. O meu Avô não queria que perdêssemos demasiado tempo a chorar, gostaria que conversássemos e contássemos histórias. É isso que acho que temos que fazer e foi por isso que vos quis falar.

3 comentários:

  1. E o teu avô adoraria ter lido este texto, cheio de orgulho por ter uma neta como tu. Beijo grande e recorda-o sempre assim.

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  2. Lindo... Obrigada pela partilha.

    COutono

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  3. Tive a oportunidade de ouvir algumas de tantas histórias que me fizeram ficar com a minha atenção "colada" a ouvir cada pormenor.
    Beijinhos
    Ana Catarina

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