Para lá da porta

Tinha 7 anos acabados de fazer e passava o tempo a sonhar acordado. Sonhava que viajava em carros voadores, que lutava contra dragões e acordava princesas adormecidas. Sempre tive uma imaginação fértil, fecunda em personagens fantásticas: cães falantes, artistas de circo, pilotos de formula 1 e feiticeiros. Apesar de ser filho único nunca me senti só, na minha mente pululavam amigos imaginários.

Naquele dia vinha já atrasado e corria pela estrada afogueado, quando de repente vi aquela porta. Parei. Sei que os carros vinham depressa e me buzinavam. Senti-me a cair. Fui invadido por um calor imenso, depois por um frio polar. Levantei-me e caminhei na sua direcção. Toquei levemente no vidro, parecia um espelho de água. Passei a mão para o lado de lá e senti uma temperatura agradável, convidativa. Mas detive-me, resolvi não entrar. Sentei-me e assisti a uma cena de filme:  todos os meus amigos imaginários caminhavam, falavam, riam e pareciam convidar-me a juntar-me a eles. Como a Alice seguiu o coelho também eu me senti tentado a segui-los. Mas de repente apareceu uma personagem estranha à minha mente, que montava a cavalo e me perguntou:

Foto de Buscassóis - Maio 2011

- Não estás atrasado? António! Ainda há muito por fazer...

Acordei já na ambulância... resultado: uma perna partida em três sítios e um valente susto para o condutor que de repente me viu saltar para a frente do seu carro.

Desde esse dia que sempre que olho para uma porta de vidro o vejo lá... bigode e chapéu de festa e o cavalo engalanado. Agora que cresci e já mandei embora todas as personagens eles continuam por aqui. Acompanham-me calma e tranquilamente, parecem ser a minha sombra e zelar pelo meu bem-estar... 


RV

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