A minha janela

Da minha janela vejo duas paredes, vejo aquilo que me parece ser um pátio interior. Para cima vejo três andares. Estou  no 4º portanto suponho que o hospital tenha sete andares, suponho…

Se me chegar para a beira da cama consigo ver uma nesga de céu azul, não muito, o suficiente para perceber que lá fora aparentemente não há nuvens e o sol brilha como se espera de um dia de verão.
Ouço o barulho contínuo dos aparelhos de ar condicionado existentes nos outros pisos. É irónico que este barulho de fundo seja algo permanente no meu dia e na minha noite quando neste quarto nem existe ar condicionado. O único do piso está situado, tanto quanto percebi, na zona central desta ala. Nem sempre está ligado e quando está dificilmente nos presenteia com o seu ar fresco.
Já tentei imaginar que o ruído de fundo seria o barulho das ondas, o vento a bater no mar. Funciona e durante 10 segundos quase que me sinto a ser transportada para minha praia, mas depressa o meu cérebro se apercebe de que este som é demasiado monocórdico, demasiado igual, demasiado estável para ser o mar. Mas todos os dias volto a investir neste pensamento e todos os volto a tentar enganar-me.

Por vezes ouvimos barulhos de obras que aparentemente decorrem de forma interminável neste hospital, que parece ele também ser interminável. Ninguém sabe onde decorrem nem que me melhorias visam. Apenas se sabe que o barulho vai e vem, que as máquinas param e recomeçam de seguida, que se ouvem pás a roçar em cimento, paredes que caem.
Percebi que na minha janela existirá uma varanda, por vezes vejo vultos que passam em passo apressado e consigo sentir o cheiro a tabaco, “são as do laboratório”, alguém me disse.
Nas outras janelas não vejo gente, vejo sombras que se movimentam ao longe, que sobem escadas, que abrem portas. Sombras a quem esta janela não levanta certamente nenhuma curiosidade, esta é apenas uma entre tantas janelas que sempre cá estiveram e sempre estarão.
Mas a verdade é que esta é a “minha janela”, uma janela para um quarto repleto de inúmeras histórias, vivências e sentimentos tantas vezes contraditórios.




1 comentário:

  1. Bonito texto. Deixa-me dizer-te que há apenas uma coisa em que talvez estejas enganada. Eu dou por mim, muitas vezes, a imaginar o que se passa atrás as janelas. Quando estou em hospitais e sítios parecidos, mais ainda. Detenho-me a pensar e normalmente chego a um momento em que o meu cérebro faz uma opção: ou é doença ou é gravidez. Para mim é a diferença entre, "ou é bom, ou é mau". E tu, és das janelas boas. Das que aquecem a alma e dão esperança de que os hospitais sejam locais de vida, também. Desde sempre, desde que me lembro de mim que faço essa opção nas janelas de hospitais. O mesmo quando sou ultrapassada por uma ambulância. Não quero, nunca, pensar que alguém aflito cai a caminho da urgência. Não! Penso sempre: um bebé que quer nascer! E vês? É real! Eu estava certa este tempo todo. Por detrás de algumas janelas, há vida, há bebés e há mães a lutar por eles! A preparar o ninho.
    Beijo gd!
    COutono

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