Beijinhos

Eles faziam os trabalhos de casa na cozinha da Avó. Acompanhados da mesma que, apesar de ter apenas a 4ª classe, diploma já tirado em adulta, se esforçava por acompanhar os netos nos seus trabalhos de casa. A Avó voltou a estudar geografia e a tabuada, contas de somar, subtrair e até a prova dos nove.

Depois dos trabalhos de casa era a hora do lanche. Ela tinha uma caneca amarela, ele uma vermelha. Inevitavelmente o leite fervido estava sempre muito quente e, já misturado com o Cola-Cao, passava de caneca em caneca até arrefecer o suficiente. O leite bebia-se sempre por uma palhinha. Ora pela palhinha de cana que o avô tinha cortado e preparado para os netos, ora pela palhinha do 123 - transparente e com um formato que se ia enchendo de leite acastanhado. Acompanhava-se com uma fatia de pão com manteiga ou então, nos dias de Inverno, com uma torrada de papo-seco, cortada em três, exactamente como se via nas pastelarias.

Depois era tempo de brincadeiras. Ele adorava ir para o quintal apanhar borboletas. Pé ante pé, muito devagarinho, apanhava-as pelas asas com todo o cuidado. Ela brincava com os tachos, fazia almoços e jantares de terra e bagas vermelhas; brincava com as bonecas, vestia-as despia-as e inventava-lhes roupas novas; arranjava duas cadeiras e saltava ao elástico. Com as latas de Molico e Cerelac faziam andarilhos, brincavam com o arco vermelho (que a mãe tinha comprado no mercado) e com a Bota Botilde e o Yo-Yo.

Nas tardes de Inverno sentavam-se na camilha, a aquecer os pés na braseira e jogavam à Batalha Naval com o Avô, no seu caderno quadriculado, comprado para o efeito; jogavam ao Dominó ou às cartas. Ensinaram os Avós a jogar ao Queimps e ao Peixinho e eles tornaram-nos peritos a jogar à Bisca dos 3.

O gato "Sportíng" (o original ou já a segunda ou terceira geração de Sportings, ninguém sabe bem...) andava sempre por ali. Deitava-se de barriga para cima e adorava que lhe catassem as pulgas.

Chegava o final do dia e aparecia a mãe para os levar para casa... entravam para o banco de trás de um Renault 5, branco, e iam até à curva a enviar beijos à Avó e a perguntar à Mãe:

"Mãe, achas que é hoje que vamos esgotar os beijinhos? Porque é que eles nunca acabam? Podemos enviar todos aqueles que quisermos e continuamos sempre a ter mais?!"
Escrito para o blog Girassóis a 09/08/2009

1 comentário:

  1. Adorei este texto quando o li a primeira vez! E hoje voltei a sentir o mesmo! É bom recordar com tanta saudade a infância!

    Beijinhos (como não podia deixar de ser)

    CalorDeOutono

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