Hoje acordei a pensar na minha avó. No seu andar direito e decidido, na sua voz de comando e na sua determinação. Acordei a pensar nos almoços de domingo em sua casa, em que se comia sopa da pedra e papas de milho. Nos almoços em que se ligava o velho rádio enquanto almoçávamos mas em que nunca se desligava a televisão da sala de onde vinha o zunido distante dos carros de Fórmula 1, isto nos tempos em que o Ayrton Senna ainda corria.
Depois do almoço desencantávamos o velho Jogo da Glória e jogávamos ou então íamos buscar as agendas de mil novecentos e setenta e picos onde escrevíamos e desenhávamos. Lembro-me que essas agendas tinham sempre muitas páginas preenchidas pelas minhas primas. "As moças" quando iam lá a casa também se divertiam a fazer nelas desenhos e assinaturas.
Hoje a minha avó já não anda tão direita, por vezes ainda lhe vemos o olhar decidido e ouvimos a voz de comando, mas assim como a sua determinação tudo está condicionado aos seus quase 90 anos (para alguém que nunca gostou de fazer anos falar em 90 quando ainda só se tem 88 é quase crime... mas não me parece que a minha avó venha algum dia a ler este texto).
Já não almoçamos lá em casa, ela própria já não se safa tão bem na cozinha. Nunca mais ouvi o rádio ligado, nunca mais se almoçou naquela sala de jantar. A televisão por sua vez passa os dias ligada mas desconfio que já não se vê a Fórmula 1 e o Ayrton Senna já morreu.
Os meus filhos quando lá vão não jogam ao Jogo da Glória e as agendas desapareceram.
O tempo passa e a idade que a minha avó sempre temeu e chegava mesmo a repudiar chegou, acomodou-se e tomou o seu lugar...
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